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Vila Nazaré: do outro lado do muro

Frente à uma remoção imposta, moradores da Vila Nazaré resistem à retirada dos serviços básicos da comunidade, que ficou isolada atrás de um muro construído pela empresa responsável pelas obras do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre

Entre sons de avião e de passarinhos passando, está a Vila Nazaré, na zona norte de Porto Alegre. Desde que as obras de expansão da pista do Salgado Filho foram anunciadas e a empresa alemã Fraport assumiu a concessão do aeroporto, as famílias da Vila Nazaré enfrentam a angústia da remoção e a iminente separação dos vizinhos e amigos de uma comunidade estabelecida há cerca de 50 anos.

 

A prefeitura da capital pretende  dividir a comunidade mandando parte das famílias para apartamentos do Minha Casa, Minha Vida no bairro Sarandi, onde hoje está a Ocupação Senhor do Bom Fim, e outra parte para o bairro Mário Quintana, próximo ao Loteamento Timbaúva.

 

Mas a Vila Nazaré não aceita se dividir. Os moradores contam que o serviço de emparelhamento da rua já foi cortado para dificultar o acesso. O saneamento do esgoto também não é feito e o posto de saúde da comunidade foi desativado. Além disso, com a construção do muro, o caminho para a escola ficou mais longo e o campinho do futebol foi perdido.

 

Com a realização da remoção prevista para novembro de 2018, o Ministério Público e a Defensoria Pública destacam que o processo ainda não foi acordado com os moradores e que a lei brasileira não admite o uso da remoção forçada de pessoas por órgãos públicos sem ordem judicial.

 

Se vai ter posto de saúde ou se vai ter escola, os moradores ainda não sabem. Parece que as dúvidas acerca do futuro são maiores do que o muro construído no presente.

 

 

Alex

 

“A gente costuma dizer que tem o direito de não ter direitos. Eu acho que eles passam de avião aqui em cima e devem sentir um tipo de nojo, de raiva”.

 

Remoção

 

“Segundo a Fraport, nós temos 900 famílias. Em 2008, foi feito um cadastro e deu 1291 famílias. Já fizemos mais duas ocupações, a vila cresceu e agora deu essa contagem. A UFRGS diz que desde 1959 já tem registro de pessoas na Nazaré. Eu tô aqui na vila há 37 anos, cheguei com 6 anos de idade, e desde que tô aqui escuto que vão nos tirar.

 

Eles dizem que não temos direito a nada, que somos ocupantes. Que a terra não é nossa e temos que sair. Eles querem dividir nossa comunidade também, uns colocar num local aqui próximo com 364 moradias e o restante colocar num lugar a 1 hora e 20 minutos de ônibus. Quem trabalha no centro e levava 30 minutos, agora vai ter mais uma hora pra vim até aqui, e depois chegar até o centro. Não dão chance pra gente se defender, é isso ou nada.

 

Tudo que acontece também cai pros líderes, tá cada vez mais difícil de arrumar um presidente pra associação de moradores. As pessoas se sentem intimidadas.

 

Nossa economia é toda aqui, o comércio que tem aqui não vai ser dado lá. Já tiraram as carroças, não vai ter galpão de reciclagem, é totalmente desumano”.

 

“A minha mãe morreu aqui, constituiu família, aqui estão todos meus amigos. Meu filho já construiu a família dele aqui também, não sei pra onde meu filho vai, não sei se vai ter casa pra mim. Nosso futuro é incerto, o pouco que a gente sabe é pelo jornal”

 

 

Vânia

 

“Não quero me dividir, conheço essas pessoas há mais de 30 anos. Por que eles querem nos separar? ”

 

“Já que eles querem tanto esse local,
não dividam nossa comunidade.
Nós temos direito, a gente
quer dignidade e ficar junto”

 

“Não podem ser construídas casas nessa região, mas aeroporto pode. Eles vão acabar com a parte do banhado, extinguir jacarés, marrecas, ratões de banhado. Os animais também não vão escapar, e falam que a parte do campo ali é de preservação”.

 

 

Claudia

 

“Nós tínhamos liberdade de ir no campo ali atrás, mas eles colocaram o muro. As crianças jogavam bola, a gente tinha campeonato. Naquela época a gente  via os animais, mas eles aterraram o campo da área de preservação. Tinha bicas de água antigamente, hoje não tem mais nada”.

 

Posto de saúde e escola

 

“A nossa dúvida também é com as crianças, como elas vão pra escola? Aqui tem duas escolas próximas. Não tem escola para eles lá [novo endereço]. A Secretaria de Saúde não tem nenhuma previsão de posto de saúde lá. Nós trabalhadores do posto, não sabemos nada. A única informação é que o posto daqui vai ficar pro pessoal da São Sebastião. Se a gente pergunta, ninguém sabe nada.

 

A empresa de engenharia e até a polícia entra aqui sempre em alta velocidade, como se não tivesse criança na rua. A Fraport quando começou a vir, entrava nas casas com a polícia sem necessidade nenhuma”.

 

“Mesmo com o aeroporto,
com os aviões passando,
a gente quer ficar.”

 

Reportagem e fotos Gabrielle de Paula