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“Ainda não sei o que é democracia, mas eu vou saber”

Em época de eleições, o que pensam e dizem as crianças sobre a política e a cidade.

Eleição, presidente, democracia. Às vésperas de uma das eleições mais polarizadas da nossa história, essas são palavras que dominam as ruas, os noticiários e as redes sociais, mas que não se limitam ao momento e circunstância. É nesse período de recalcular a rota para o futuro que a Anú buscou ouvir os sujeitos cuja política ainda não se expressa através do voto. 

 

É pelo olhar das crianças de diferentes regiões de Porto Alegre e cidades vizinhas, pertencentes a famílias de classes sociais, raças e posicionamentos partidários distintos, que é narrado o espaço pelo qual ocupam a cidade. Em comum, o estranhamento de dar uma entrevista e o desejo por um país melhor, sem que haja necessariamente uma concordância sobre como esse seria. As respostas, ou a falta delas, surpreendem os próprios familiares presentes nas conversas.

 

Política diz respeito às crianças? Pois elas mesmas respondem. 

 

* Para preservar a imagem dos menores, cada criança escolheu um nome fictício pelo qual é identificada nesta publicação.

 

Braian, Rodrigo, e Dudu

— 8, 11 e 10 anos

B: “Não gostava de morar no nosso bairro de antes porque era muito longe da cidade. Na cidade ficavam os nossos amigos. E a escola também. A gente ia de ônibus sozinho. Era uma hora e pouquinho até a escola. Agora a gente pode ir a pé. Sozinho. Dá uma meia hora caminhando.” 

D: “Eu gosto de andar de ônibus.”

R: “Eu não. É demorado demais, tem muito buraco.”

 

– Sabe de uma coisa importante que vai ter no Brasil esse ano?

B: “Copa do mundo!”

D: “Tem eleição.”

R: “O Brasil não é tão legal. Por causa das guerras, dos roubos, das coisas…”

D: “Tá igual a político falando!”

R: “Eu vi pela tevê.”

 

– O que é um presidente? O que faz?

Todos: “Ajudar o país.”

D: “Lula.” 

 

– O que tu faria se fosse presidente por um dia?

D: “Ajudava. Aumentava o salário. Porque tem gente que não tem casa. Quando a gente ia pra cidade a gente via um monte de pessoas sem casa no caminho.”

 

 

Natalia

— 11 anos

“Eu moro no bairro Higienópolis. Eu gosto que tem vários lugares perto de onde eu moro, e tem várias coisas. Tem farmácia, tem mercado. Tem várias coisas perto, daí não precisa ficar andando muito, gastando gasolina. Essas coisas. Eu estudo no Pastor Dohms. Gosto de lá. Vou pra aula de carro porque é de manhã, mas eu poderia ir caminhando. É perto, só subir e descer uma lomba”

 

“Tem criança que é tipo eu, mas fica na rua.”

– O que é um presidente? O que faz?

“Eu acho que ele tem que cuidar do bem estar, dessas coisas dos brasileiros. Deixar menos gente desempregada, cuidar das ruas, cuidar das cidades, cuidar para que todas as crianças tenham ensino, estudem, brinquem, se divirtam, e não fiquem trabalhando, tipo nas ruas e tudo mais. Tem criança que é tipo eu, mas fica na rua. Às vezes isso é porque os pais estão sem emprego, ou estão doentes. Eu acho que isso podia melhorar.”

 

– O que tu faria se fosse presidente por um dia?

“Eu iria em algumas cidades ver como estão, veria o que pudesse melhorar. Eu também diminuiria o preço de algumas coisas, que estão bem altas. E daria prioridade para que todos os brasileiros estivessem com casa e trabalho. Acho que também cuidaria da desigualdade social, racismo, homofobia. Essas coisas. E… machismo. Acho que isso é bem importante. Acho que seria bem legal se tirassem as pessoas das ruas. Tirassem as crianças. Em geral, cuidar de tudo. Porque tá precisando.”

 

 

Tainá

— 9 anos

“Moro nessa casa (aponta), no Cantagalo. Gosto de estudar. Gosto de matemática e de caça-palavras. Minha escola é aqui. Eu tenho muitos colegas. É legal aqui. Eu gosto de brincar na pracinha. De pega-pega. Tenho amigos na aldeia. Fora não. Fora tenho uma amiga, só. É bem diferente. A casa é diferente.”

 

Ele quer indígena fora da aldeia.”

“De manhã eu como e depois eu venho pra escola. É perto. Vou andando. Sozinha. Eu moro com minha mãe, meu irmão, minha irmã e outro irmão e meu pai. E mais um irmão.”

 

– O que é um presidente? O que faz?

Ele quer indígena fora da aldeia. Aprendi isso na escola”

 

– O que tu faria se fosse presidente por um dia?

“Não faria nada. Ajudaria as crianças”

 

 

Fred e Teo

— 7 anos

F: “Eu gosto de jogar futebol, jogar tênis, andar de skate, andar de bicicleta, andar de patinete, jogar basquete. Faço futebol no Monteiro. Ontem eu fiz uma aula experimental de natação do lado do Monteiro. E eu também troco figurinha da copa no sábado e no domingo. Troco no Monteiro também. Vou pra lá de carro. E gosto de brincar no condomínio, no nosso pátio e aqui em casa. Fora do condomínio é a rua, mas gosto mais de brincar no condomínio.”

T: “Eu gosto do Brasil porque tem músicas nele. Tem algumas coisas que eu não gosto. Ladrão. Não tem muito. Mas não é legal.”

 

– Sabe de uma coisa importante que vai ter no Brasil esse ano?

F: “Eu sei! Comemoração dos gaúchos. A gente faz churrasco. Eu gosto de ser gaúcho.”

 

– O que é um presidente? O que faz?

T: “Pra cuidar da cidade e dos lugares.” 

 

– O que tu faria se fosse presidente por um dia?

F: “Ia deixar os vilões presos e cuidar das pessoas pobres. E ia pegar todas as figurinhas que tem na loja só pra mim. Todos os pacotinhos. Aí eu ia completar meu álbum.”

 

 

Alice

— 9 anos

“Gosto de morar aqui no Petrópolis porque tem bastante árvore. Tem um parque e tem uma floresta. Não tenho certeza, na real, se tem uma floresta, mas parece que tem. Eu não fico muito na rua, só passo de carro. Dos ladrões eu não gosto. E da poluição. Tem bastante”

 

“Eu não fico muito na rua, só passo de carro.”

– O que tu faria se fosse presidente por um dia?

“Ser eu.”

 

 

Talía e Vitória

— 11 anos


T: “Aqui no Menino Deus, Cidade Baixa é bem legal porque é perto de tudo. Eu gosto do lugar, porque é um quilombo, e o Areal* também é perto, tem brincadeira, tem projetos. Tem bastante pessoas, todo mundo é unido. Várias crianças brincando na rua e tal. Eu fico bastante na rua.”

V: “Eu fico mais dentro de casa. Mas é bem tranquilo ir pra rua”

T: “A escola é um pouco longe. Eu vou a pé. Às vezes meus parentes me levam, às vezes vou sozinha. Na volta é sempre minha vó que me busca porque de noite é um pouco perigoso pra eu andar sozinha na rua aqui por perto.”

V: “Eu sempre vou com os meus primos”

 

– Sabe de uma coisa importante que vai ter no Brasil esse ano?

T: “Copa do Mundo. E eleição.”

 

Ainda não sei o que é democracia, mas eu vou saber”

– O que é um presidente? O que faz?

T: “Eu acho que é pra ajudar as pessoas no Brasil, e as necessidades, né. As coisas tão muito caras, tem gente que não tem condições de comprar.”

 

– O que tu faria se fosse presidente por um dia?

T: “Ajudaria as pessoas moradores de rua, ajudaria as famílias que tão passando necessidade, ajudaria o Areal aqui também, as escolas. E as pessoas que passam dificuldade pra comprar as coisas no mercado.”

V: “Eu ajudaria os moradores de rua e as escolas.”

T: “Ainda não sei o que é democracia, mas eu vou saber”



Alberto

— 10 anos

 

“Eu moro embaixo da rua, aqui no Cantagalo. Eu gosto de fazer armadilhas para alguns passarinhos. Mas eu não pego nenhum. Só não gosto dos urubus. Eles comem as galinhas. Tem bastante aqui.”

“Eu gosto de brincar, de futebol. Eu tenho mais amigos dentro da aldeia, fora não. Mas conheço pessoas que moram lá fora. É diferente. Eles tem algumas palavras que é difícil de entender. Mas eu gosto de ir pra fora. Gosto de passear na estrada e ficar em outro bairro. Lá tem alguns objetos… não sei se consigo falar. Tem palavras pra mim que mudam. Eu esqueci.”

 

– O que é um presidente? O que faz?

“Lula. Para proteger essa terra.”

 

– O que tu faria se fosse presidente por um dia?

“Trazer na aldeia algumas cestas básicas.”

 

 


Davi e Gabriel

— 12 e 10 anos

 

G: “Aqui na Zona Sul tem bastante espaço, diferente da casa do nosso pai que é menor. A gente tem uma gatinha, que tá lá no quintal. A gente sai mais no bairro uma vez por semana, duas vezes. Aí a gente sai na praça, dá uma caminhada. É bem tranquilo por aqui, mas tem muito carro e vem muita gente de fora. Quando a gente vai pra escola, é de carro.”

D: “Sempre que eu volto de outro lugar pra Porto Alegre, tipo um lugar mais natural, eu sempre sinto como se o ar estivesse menos… o ar aqui é muito mais abafado.”

G: “Sim, bem diferente da área mais rural. A gente vem da praia e dá uma saudade até do bafo de Porto Alegre, que é mais quentinha, toda cheia de gente. Tem a orla, é bem grande. É cheia de árvore, cheia mesmo. É bonita, tem bastante gente. É frio, é quente…”

 

– Sabe de uma coisa importante que vai ter no Brasil esse ano?

G: “A eleição, a Copa.”

D: “É importante porque os dois podem trazer coisas boas, ou coisas ruins pra gente. Isso se der errado, né.”

G: “E muda tudo, né? Muda presidente, muda o Brasil. Ou pode não mudar o presidente, também.” 

 

“A política pode até afetar (o adolescente), só que ele não pode mudar ela.”

– O que é um presidente? O que faz?

G: “É muita coisa. Cuidar do Brasil que é um país grande, cheio de gente. É muita coisa. Propor leis.”

D: “Ele poderia mudar a economia. É uma pessoa de grande poder que supostamente governa uma certa região, pra proteger ela e cuidar. Mais ou menos isso, né.”

 

– O que tu faria se fosse presidente por um dia?

D: “Eu só mudaria uma coisa que seria a segurança do povo, né. Tem muitos lugares onde as pessoas roubam. Muitos assaltos, muitas pessoas morrem.” 

G: “Política não é importante pra criança e adolescente. Não é tão importante porque eu nem vou poder votar. Depende do adolescente, né, com 16 já pode. Mas não vai importar tanto assim, porque a gente não vai poder fazer quase nada.”

D: “Na real ela é consideravelmente importante. Ela pode até afetar ele, só que ele não pode mudar ela.”








Texto Gabrielle de Paula e Yamini Benites
Fotos Yamini Benites
Ilustrações Ingrid Vanmalli